Facebook

Nosferatu e o Vampiro Judeu: as sombras do antissemitismo em um clássico do cinema

Nosferatu e o Vampiro Judeu: as sombras do antissemitismo em um clássico do cinema

O enigma por trás da versão oculta de Nosferatu

Em meio às sombras e mistérios do cinema expressionista alemão, um enigma surgiu: uma versão alternativa de Nosferatu, o icônico filme de F.W. Murnau, foi descoberta anos depois de seu lançamento. Com o título Die zwölfte Stunde. Eine Nacht des Grauens (A Décima Segunda Hora: Uma Noite de Horror), essa versão modificada introduziu novas cenas, um final feliz e mudanças nos nomes dos personagens. No entanto, o próprio Murnau nunca soube dessa edição, o que levantou inúmeras questões sobre o controle criativo e a apropriação de obras de arte durante o período turbulento da República de Weimar.

A nova versão adicionou cenas que nunca haviam sido concebidas por Murnau, incluindo uma missa conduzida por um jovem padre e uma festa camponesa que destoava completamente do tom sombrio original. Essas modificações não só distorceram o ritmo e a narrativa de Nosferatu, como também levantaram especulações sobre a natureza e o propósito dessas alterações, especialmente em um contexto de crescente nacionalismo e controle cultural na Alemanha.

Antissemitismo e os monstros do cinema: a metáfora do “vampiro judeu”

Embora Nosferatu não tenha sido originalmente concebido como um filme antissemita, ele reflete, de forma sutil, os estereótipos e preconceitos que permeavam a cultura alemã na década de 1920. A aparência do Conde Orlok — com seu nariz adunco, unhas longas e uma postura quase animalesca — remete a caricaturas antissemitas que circulavam na época, associando os judeus a criaturas parasitárias e decadentes.

Essas características físicas de Orlok, junto com sua associação com ratos e doenças, reforçam a ideia de que o personagem foi, conscientemente ou não, desenhado para se alinhar a esses estereótipos. O filme se tornou uma metáfora visual de como os judeus eram retratados pela propaganda antissemita: uma ameaça invisível, pronta para corromper e destruir a sociedade “pura” alemã. Não por acaso, o filme O Judeu Eterno (1940), uma das peças mais notórias da propaganda nazista, utiliza uma metáfora semelhante, comparando os judeus a ratos que espalham doenças e destruição por onde passam.

Influências literárias e o legado de Bram Stoker

A associação do judeu com o vampiro remonta a séculos, e Nosferatu não é o único exemplo desse fenômeno. O próprio Drácula, de Bram Stoker, carrega insinuações antissemitas. O Conde Drácula, com seu “nariz aquilino” e aparência exótica, era descrito de uma forma que reforçava estereótipos judaicos comuns na literatura da época. Além disso, o personagem de Hildesheim, o advogado judeu de Drácula no romance, é retratado de maneira preconceituosa, reforçando a ideia de que o “estrangeiro” judeu era uma ameaça à sociedade britânica.

Esse tipo de representação não era incomum na literatura e no teatro do século XIX, onde os judeus frequentemente apareciam como vilões manipuladores e gananciosos. No entanto, foi no cinema expressionista alemão, especialmente em Nosferatu, que essa imagem encontrou uma nova forma de expressão, mais poderosa e duradoura.

O impacto cultural de Nosferatu e sua ligação com a ideologia nazista

Embora seja um clássico do cinema, Nosferatu não escapou das garras da ideologia nazista. O personagem de Knock, por exemplo, o corretor imobiliário que ajuda Orlok a se estabelecer na Alemanha, exibe várias características que remetem aos estereótipos antissemitas: ganancioso, manipulador e “verminoso”. Knock é uma figura que “personifica todos os estereótipos negativos dos judeus da época”, como descrito por vários críticos e historiadores.

Não é coincidência que Julius Streicher, editor do infame jornal antissemita Der Stürmer, tenha ficado obcecado por Nosferatu. Streicher teria assistido ao filme repetidamente, atraído pela figura do vampiro e sua associação com o mal e a corrupção. Inspirado por essa representação, Streicher passou a usar a imagem do “vampiro judeu” em sua propaganda, reforçando a ideia de que os judeus eram parasitas que sugavam a vida e a prosperidade do povo alemão.

A evolução da figura do vampiro: do monstro judeu ao herói ariano

Com o passar dos anos, a imagem do vampiro evoluiu significativamente no cinema e na literatura. Se nos anos 1920 o vampiro era retratado como uma figura deformada e associada ao “outro” (neste caso, o judeu), nos dias de hoje, ele se transformou em um símbolo de poder e sedução. Filmes como True Blood, Crepúsculo e Buffy, a Caça-Vampiros apresentam vampiros que são altos, bonitos e, muitas vezes, loiros e de olhos claros — uma representação que mais se assemelha ao ideal ariano do que à figura do vilão dos anos 1920.

Essa transformação levanta questões interessantes sobre como as culturas e sociedades mudam suas percepções do “mal”. Se, na década de 1920, o vampiro era o reflexo dos medos em relação ao “estrangeiro”, hoje ele representa, de certa forma, o opressor branco. Ainda assim, a figura do vampiro continua a ser uma metáfora poderosa para os medos e desejos reprimidos da sociedade, mantendo sua relevância no imaginário popular.

Nosferatu: um reflexo sombrio da Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial

Nosferatu permanece como um marco não apenas do cinema expressionista, mas também da cultura alemã da época. O filme é uma janela para a mentalidade de uma Alemanha devastada pela Primeira Guerra Mundial, onde o medo do “outro” e do “estrangeiro” era exacerbado pela instabilidade social e econômica.Em última análise, Nosferatu não é um filme explicitamente antissemita, mas, como tantas obras de arte criadas em tempos de crise, ele reflete as ansiedades e os preconceitos de sua época. A figura do vampiro — e sua associação com o judeu — é apenas uma das muitas maneiras pelas quais o medo do desconhecido e do “diferente” se manifestou no cinema e na cultura popular alemã da década de 1920.

Filipe Souza

Filipe Souza

Editor / Jornalista Responsável

MTB32471/RJ

👽 Gateiro, thelemita, amo a cultura hindu;
👽Converso sobre aliens, esoterismo, Google Ads e receita de bolinho de chuva!
📀Colecionador de LPs, CDs, Livros e histórias;
🤘 Ah! E metaleiro;
🃏Jogo uns tarôs de Crowley;
– Jornalista, designer e Workaholic;
– Produtor de conteúdo e apresentador do canal Cinco Miligramas de Misantropia;
– Amo cozinhar e degustar cervejinha artesanal;

Curta e compartilhe essa misantropia