Na Europa pré-Iluminista, o medo da magia e do sobrenatural permeava todos os aspectos da vida. Acreditava-se amplamente que mulheres tinham uma conexão especial com o mundo mágico, um poder que poderia ser usado para o bem — ou para o mal. No entanto, essa crença também tornava as mulheres alvos fáceis de acusações de bruxaria, especialmente quando eram viúvas ricas, independentes ou desafiavam o status quo masculino.
O Medo das Mulheres Poderosas
Durante os séculos XVI e XVII, a Europa foi palco de inúmeras caças às bruxas, e as mulheres eram quase sempre as principais acusadas. Estudos mostram que 80% das pessoas julgadas por bruxaria eram mulheres, um número que chegava a 90% na Hungria. E o que tornava essas mulheres alvos tão frequentes? Além do preconceito de gênero arraigado, havia uma desconfiança profunda das mulheres que acumulavam poder, especialmente as viúvas, que não estavam mais sob a tutela de um homem.
Essas mulheres eram vistas como perigosas, não apenas por suas riquezas e influências, mas também porque podiam exercer papéis que a sociedade da época atribuía apenas aos homens. Sem a necessidade de prestar contas a um marido ou a um pai, essas viúvas podiam gerir seus próprios negócios, acumular riqueza e controlar propriedades. Na visão patriarcal da época, elas representavam uma ameaça ao “equilíbrio natural” da sociedade.
Elizabeth Báthory e a Bruxaria
Elizabeth Báthory, uma das figuras mais infames da história, é o exemplo perfeito de como o poder feminino poderia ser distorcido para se tornar uma lenda de terror. Conhecida como a “Condessa Sangrenta”, ela foi acusada de torturar e matar jovens mulheres, supostamente para se banhar no sangue delas e manter sua juventude. Embora as evidências de tais banhos sangrentos sejam escassas e provavelmente exageradas, a associação de Báthory com práticas sobrenaturais é significativa.
Apesar de nunca ter sido formalmente acusada de bruxaria, Báthory foi envolvida em rumores de maleficium — uma forma de magia maligna — que se entrelaçaram com as lendas sobre sua busca pela juventude eterna. O padre Ponikenus, uma figura religiosa proeminente na época, foi um dos que sugeriram que Báthory havia mergulhado no mundo da magia negra. Embora essas acusações fossem baseadas mais em superstição do que em fatos, elas refletiam o temor comum de que mulheres poderosas, como Báthory, possuíam poderes sobrenaturais.
Viúvas: Alvos Frequentes das Acusações
A história de Báthory não é única. O capítulo 10 do livro Countess of Blood destaca a perseguição de várias outras mulheres poderosas na Europa medieval, muitas das quais eram viúvas que acumulavam fortunas ou posições de destaque. Uma dessas figuras é Dame Alice Kyteler, uma viúva irlandesa do século XIV que, após a morte de seus quatro maridos, foi acusada de bruxaria e envenenamento. Assim como Báthory, Kyteler acumulou riquezas consideráveis, o que a tornou alvo de inveja e acusações falsas por parte de seus vizinhos e parentes.
A história de Kyteler revela uma dinâmica recorrente: quando mulheres ricas e poderosas desafiavam as expectativas sociais, elas frequentemente eram alvo de perseguição, e a bruxaria era uma acusação conveniente para justificar sua queda. Ao associar essas mulheres à magia, a sociedade encontrava uma explicação simplista para o poder que elas detinham, além de criar uma narrativa que as demonizava.
A Conexão com o Sangue e a Magia
Outro aspecto importante nas lendas que cercam mulheres como Elizabeth Báthory é o uso do sangue. Na Europa medieval, o sangue era visto como um elemento poderoso tanto em rituais religiosos quanto em práticas de cura. Não é surpresa que, nas lendas sobre Báthory, o sangue tenha sido transformado em um elemento chave para explicar seu suposto desejo por juventude eterna. O mito dos banhos de sangue de Báthory pode estar enraizado em práticas médicas da época, como a sangria, que era amplamente usada para tratar doenças.
A ideia de que o sangue possuía poderes sobrenaturais também se conectava a mitos mais antigos, como o das strigoi, demônios femininos da tradição romena, ou as vile, espíritos das tradições eslavas. Essas figuras mitológicas eram conhecidas por sua ligação com o sangue e a morte, o que ajudou a consolidar a imagem de Báthory como uma figura sobrenatural, quase vampírica.
A Perseguição de Mulheres Nobres e Viúvas Poderosas
O capítulo também apresenta outros casos notáveis de perseguição contra mulheres nobres. A história de Elisabeth Czobor, viúva do palatino George Thurzó (o mesmo que prendeu Báthory), mostra como até as mulheres mais influentes podiam ser destruídas quando homens poderosos desejavam suas propriedades. Após a morte de seu marido, Czobor foi sistematicamente destituída de suas posses por Nicholas Esterházy, um aristocrata ambicioso que usou o poder de sua posição para confiscar suas terras.
Esse padrão de perseguição, especialmente contra mulheres viúvas, sugere que muitas dessas acusações de bruxaria e crimes hediondos tinham menos a ver com as supostas atividades mágicas dessas mulheres e mais com a tentativa de despojá-las de suas riquezas e poder.
Conclusão: A Demonização do Poder Feminino
A demonização de mulheres poderosas como Elizabeth Báthory, Alice Kyteler e Elisabeth Czobor revela uma profunda desconfiança do poder feminino na sociedade medieval e renascentista. Essas mulheres, muitas vezes viúvas e independentes, foram transformadas em monstros nas histórias que sobreviveram até os dias de hoje. A associação com a bruxaria foi um mecanismo conveniente para derrubar mulheres que ousaram acumular poder em um mundo dominado por homens.
Enquanto o sangue, a magia e as lendas criaram uma aura de mistério em torno dessas figuras, a verdade pode ser muito mais simples: elas eram vítimas de uma sociedade que temia mulheres com poder. As histórias dessas mulheres são um lembrete de como o medo do feminino foi usado historicamente para justificar a opressão e a violência. E, embora suas lendas persistam, é importante reconhecer que por trás das histórias de bruxas e condessas sangrentas, havia mulheres reais, muitas vezes vítimas de um mundo que não sabia como lidar com sua força e independência.