Introdução
Eis que a Cold Art Industries nos traz um relançamento de 2014 em meio ao inverno apocalíptico, onde os dias são quentes como o inferno e as noites gélidas como o coração de um amor não correspondido. Imagine-se envolto em uma atmosfera densa, onde cada nota musical carrega o peso da dor e do luto esmagando qualquer sombra de refúgio do expurgo da miséria absoluta do simples viver.
Esse é o cenário que o álbum “Doliu” da banda Clouds nos apresenta. Originalmente lançado em 2014, “Doliu” é uma jornada emocional que explora os profundos sentimentos de perda e tristeza. Esta reedição vem para reacender a chama da melancolia, trazendo de volta uma obra que se tornou um clássico do Doom Metal atmosférico.
Sobre a Banda
Clouds é uma supergrupo de doom metal atmosférico, formado por membros de algumas das bandas mais respeitadas do gênero. Liderada por Daniel Neagoe (Eye of Solitude, Deos, Colosus), a formação inclui Jarno Salomaa (Shape of Despair), Déhà (Imber Luminis, Slow), Kostas Panagiotou (Pantheist, Wijlen Wij), Pim Blankenstein (Officium Triste, The 11th Hour) e Jón Aldará (Barren Earth, Hamferð). Cada membro traz consigo uma bagagem rica em experiências e influências que se mesclam perfeitamente em “Doliu”.
Desenvolvimento
A Profundidade Emocional de “Doliu”
“Doliu” é um álbum que não se contenta em apenas tocar; ele penetra na alma, a dilacerando para depois você se reconstruir. As letras e composições refletem as cinco fases do luto – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – guiando o ouvinte através de uma experiência catártica e introspectiva. A produção do álbum é impecável, cada instrumento cuidadosamente colocado para criar uma parede sonora que consegue ser esmagadora e sublime.
Análise das Letras
As letras de “Doliu” são poéticas e profundamente introspectivas, refletindo as angústias e sofrimentos pessoais dos membros da banda. Um exemplo claro é a faixa “You Went So Silent”, onde a dor da perda é expressa de forma visceral:
“você ficou tão silencioso / você ficou tão sozinho / você foi na escuridão / você levou toda essa vida”
Este trecho remete ao conceito de luto como explorado por Elisabeth Kübler-Ross em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer”, onde ela descreve as cinco fases do luto. A sensação de isolamento e escuridão descrita na música é um reflexo da fase de depressão, onde a pessoa enlutada sente a profundidade da perda e a ausência do ente querido.
Outra faixa que se destaca é “If These Walls Could Speak”, que aborda a ideia de estagnação e o desejo de libertação da dor:
“minha mente é uma tempestade / meu corpo é um vazio / e todos que entrarem agora / devem passar por este coração”
Aqui, a letra parece dialogar com a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre, especialmente no que diz respeito à noção de vazio e absurdidade da existência. Sartre, em “O Ser e o Nada”, explora como a consciência do vazio e da falta de sentido pode levar a um estado de angústia profunda, semelhante ao que é descrito na música.
Em “Heaven Was Blind To My Grief”, o tema do luto é novamente central, desta vez questionando a justiça divina:
“o céu estava cego para o meu luto / tão cego / e mesmo que eu pedisse / o céu estava cego”
Este questionamento lembra a obra de Viktor Frankl, “Em Busca de Sentido”, onde ele discute como encontrar propósito e significado em meio ao sofrimento. A sensação de abandono e a busca por respostas são sentimentos comuns explorados tanto na música quanto na filosofia de Frankl.
Faixas em Destaque
1. You Went So Silent: A abertura com harmonias de piano minimalistas prepara o terreno para a entrada melancólica e esmagadora das guitarras e dos vocais profundos. É uma introdução perfeita para o que está por vir.
2. If These Walls Could Speak: Mantendo a atmosfera, esta faixa começa com piano e evolui para um hino Doom, com guitarras pesadas e um ritmo arrastado que ecoa a dor expressa nas letras.
3. Heaven Was Blind To My Grief: Uma composição que mistura melodia e peso de forma magistral, com vocalizações que transitam entre o desespero e a aceitação.
4. A Glimpse Of Sorrow: Destaca-se pelos interlúdios de piano e pelas letras que exploram a agonia dos pesadelos e da perda, com uma melodia que é ao mesmo tempo bela e perturbadora.
5. The Deep Vast Emptiness: Uma faixa que faz jus ao seu título, preenchendo o espaço sonoro com uma vastidão emocional que só o Doom Metal pode proporcionar.
6. Even If I Fall: Encerrando o álbum com uma nota de esperança melancólica, esta faixa reflete sobre a persistência e a inevitabilidade da dor.
Conclusão
“Doliu” é um álbum que merece ser ouvido repetidas vezes, a cada audição revelando novas camadas de sua complexidade emocional. A reedição traz de volta uma obra-prima que continua a ressoar profundamente com os ouvintes, especialmente aqueles que passaram por perdas significativas. Clouds nos lembra que, mesmo na dor, há beleza e, na tristeza, há uma forma de redenção.