O universo das histórias em quadrinhos é rico em personagens icônicos e inesquecíveis, mas poucos são tão sombrios e imponentes quanto o Santo dos Assassinos. Criado por Garth Ennis e ilustrado por Steve Pugh, este personagem é uma das figuras centrais na aclamada série “Preacher”, publicada pela Vertigo. Com uma história de origem que combina violência, tragédia e um pacto infernal, o Santo dos Assassinos transcende o típico anti-herói, emergindo como uma personificação imortal da morte e da vingança.
A Criação do Santo dos Assassinos
A história de origem do Santo dos Assassinos é narrada no especial “Preacher Special: Saint of Killers #1”, lançado em 31 de julho de 1996. O personagem foi criado por Garth Ennis, um roteirista famoso por suas tramas sombrias e violentas, e ilustrado por Steve Pugh, com capas de Glenn Fabry. Ennis, conhecido por trabalhos como “Hellblazer” e “Crossed”, trouxe sua habilidade em criar personagens complexos e moralmente ambíguos para este projeto, resultando em uma figura que é tanto aterrorizante quanto fascinante.
Sinopse da Trama
Pouco se sabe sobre o homem que um dia se tornaria o Santo dos Assassinos. Há rumores e lendas, e apenas alguns conhecem partes da verdade. Ele lutou na Guerra Civil Americana, do lado da Confederação, sendo conhecido como um dos soldados mais violentos e sanguinários no campo de batalha. Sua reputação cresceu, e mesmo após a guerra, ele era temido e desprezado tanto por aqueles que lutavam contra ele quanto por aqueles que lutavam ao seu lado. Quando a guerra terminou, ele foi para o oeste, de volta ao Texas, onde se isolou das outras pessoas e ganhou dinheiro com recompensas por escalpos de índios. Ele testemunhou a inumanidade do homem e resignou-se ao fato de que a humanidade era uma raça corrupta e selvagem, sem esperança para ele ou para a América.
Encontrando Esperança
Durante um ataque a um grupo de Apaches, ele encontrou uma jovem cativa. Quase a matou, mas hesitou. A garota estava ferida, mas inteira, e agradeceu por salvá-la dos atos horríveis que os Apaches poderiam ter cometido. Ele a levou de volta para casa em Laredo, Texas. Ao chegar lá, o irmão dela ficou chocado ao saber que ela não apenas foi salva por um dos soldados mais perigosos da guerra, mas que queria voltar com ele. Ela viu, sob sua pele cínica e fria, um homem bom – ou pelo menos o potencial para um. Eles ficaram juntos por cerca de uma década e tiveram uma filha. Viviam felizes e isolados na natureza, vivendo da terra.
A Tragédia
A felicidade durou até que sua esposa e filha adoeceram com uma febre. Desesperado, ele partiu em busca de remédios, mas foi atrasado por bandidos liderados por Gumbo McCready na cidade de Ratwater. Ao retornar, encontrou sua esposa e filha mortas, o que o levou a uma fúria vingativa que terminou com sua própria morte e subsequente descida ao inferno.
A filosofia de Nietzsche sobre o eterno retorno e o amor fati (amor ao destino) pode ser aplicada ao Santo dos Assassinos. O personagem aceita sua natureza trágica e seu destino de violência e vingança, refletindo o conceito nietzschiano de abraçar o próprio destino, não importa quão doloroso ou inevitável ele seja.
A Transformação no Santo dos Assassinos
No inferno, sua alma estava tão cheia de ódio que congelou as chamas do inferno. O próprio Diabo tentou quebrar sua vontade, mas falhou. O Anjo da Morte, cansado de seu papel, ofereceu uma barganha: o homem poderia tomar seu lugar, ganhando poder ilimitado em troca de se tornar o novo Anjo da Morte. Ele aceitou e foi transformado no Santo dos Assassinos, empunhando pistolas feitas da espada do Anjo da Morte, armas que nunca falham, nunca se esgotam e matam com um único tiro. Seu primeiro ato como Santo foi matar o Diabo.
Se entrarmos no âmbito da filosofia, Arendt explora a “banalidade do mal” em sua obra, sugerindo que o mal pode ser cometido por pessoas comuns que aceitam ordens sem questionamento. O Santo dos Assassinos, inicialmente um soldado obediente e depois um executor implacável, pode ser analisado através dessa lente.
A Ira do Santo
Ele retornou a Ratwater e matou McCready e o pregador corrupto que viajava com ele. Mas não parou por aí. Ele matou todos. Cada homem, mulher e criança na cidade de Ratwater, Texas, morreu sob suas armas naquela noite. Inocente ou culpado, não fazia diferença. Ele era o portador da morte e não se importava com quem.
Quando seu trabalho foi concluído, ele se retirou para um local isolado, esperando por novas ordens. Seria chamado muitas vezes para cumprir a vontade de Deus e trazer a morte e destruição que Deus desejava. A última vez, no entanto, foi para algo muito especial. O Santo dos Assassinos foi acordado para encontrar e matar um jovem chamado Jesse Custer.
Esse comportamento visceral perpetrado pelo Santo dos Assassinos tem fundamento na teoria mimética de Girard que pode explicar a espiral de violência e vingança no personagem. Segundo Girard, a violência gera mais violência em um ciclo interminável de retribuição.
O Santo e o Pregador
Um anjo foi enviado para despertar o Santo dos Assassinos, mas foi morto por ele. Antes de morrer, contou ao Santo sobre Gênesis – a criança de um demônio e um anjo, cujo poder era quase igual ao de Deus. Genesis havia escapado e possuído o pregador de uma pequena cidade no Texas, Jesse Custer. Custer agora tinha a Voz de Comando – o que ele mandava as pessoas fazerem, elas faziam. Os anjos estavam aterrorizados com o que Custer poderia fazer com tal poder e enviaram o Santo para rastreá-lo e matá-lo.
O Santo estava disposto a cumprir suas obrigações com Deus. Em poucas horas, ele abriu caminho através do escritório do xerife do condado e estava na trilha de Jesse. Ele encontrou Jesse em um pequeno motel, mas sua arma foi parada pela Voz de Jesse. Pela primeira vez, o Santo dos Assassinos foi impedido de cumprir sua missão, e um alvo foi autorizado a escapar. Pior ainda, o anjo revelou que Deus, o único poder no cosmos que poderia comandar o Santo, havia deixado o Céu e abandonado Sua criação. As implicações disso não ocorreram ao Santo até mais tarde. Ele deixou o pregador ir, mas prometeu rastreá-lo.
O Santo percebeu que, sem Deus no Céu, não havia ninguém que pudesse comandá-lo. O Santo agora podia seguir seu próprio caminho para encontrar Jesse Custer.
Ele foi para Las Vegas, onde encontrou os anjos que haviam começado um cassino. Em seu terror, os anjos contaram-lhe tudo – Jesse tinha ido para a França para confrontar o Graal, uma organização mundial dedicada a desencadear o Apocalipse e governar o mundo. O Santo sequestrou um navio de carga, matando todos a bordo, e navegou diretamente para a Europa. Quando chegou a Masada, a sede do Graal, ele encontrou Custer com o executor sagrado do Graal, Starr. E o Santo estava mais do que disposto a matar ambos.
Mas mais uma vez, sua mão foi detida. O Graal tinha um anjo cativo, e o Serafim disse-lhes que Genesis, a entidade na cabeça de Custer, era a chave para fazer Deus responder por seu abandono. Além disso, poderia contar ao Santo como e por que sua família morreu. A oportunidade era boa demais. O Santo aceitou a oferta. Ele segurou os soldados do Graal, dando a Jesse e Starr a chance de obter as informações de que precisavam do Serafim – eles tinham que ir ao oeste americano e procurar os nativos americanos para entrar em contato com Genesis. Jesse e Starr escaparam – por pouco – antes que toda a base explodisse, enterrando o Santo sob milhões de toneladas de rocha e alvenaria.
Isso não deteve o Santo, é claro. Ele se desenterrou e começou a fazer seu caminho de volta para os Estados Unidos.
Encontro Final
Meses depois, o Santo encontrou Custer novamente, desta vez na companhia de sua namorada, Tulipa. Custer contou ao Santo o que prometera – a verdade.
O Santo havia sido afastado de sua família pelos ataques de McCready, mas por que McCready estava lá? Por que ele estava em Ratwater, e por que estava em uma posição de impedir o Santo de sua missão? Havia uma tempestade de neve, mas … quem poderia fazer tal coisa para virar a gangue no caminho do Santo?
Quem, senão Deus?
Sabendo a verdade, o Santo não podia fazer nada além de matar. Ele saiu e confrontou as forças combinadas do Exército dos EUA e do Graal. Ele enfrentou centenas de soldados, destruindo tanques e helicópteros, armado apenas com suas duas pistolas. Ele destruiu sozinho todas as forças que vieram contra ele e levou Starr a ordenar um ataque nuclear. Starr pressionou o presidente a enviar um bombardeiro furtivo para Monument Valley, transformando-o em um deserto irradiado com o Santo no centro.
Em meio às chamas e à radiação, o Santo se levantou, cuspiu e disse: “Não foi suficiente.”
O Santo mata Deus
O Santo dos Assassino estava à deriva. Sem ninguém para comandá-lo e ninguém para perseguir, o Santo não tinha mais propósito. Suas atividades durante suas andanças são desconhecidas, mas quase um ano depois, ele sentiu uma estranha … atração. Ele se sentiu atraído de volta ao Texas, ao deserto abandonado que costumava ser Ratwater. O pregador estava lá, com os restos humanos do Santo. Não era a maneira mais sutil de chamar sua atenção, mas funcionou.
Custer contou ao Santo tudo o que ele havia aprendido em sua busca por Deus – que Deus era um maníaco por atenção e estava disposto a causar dor, destruição e morte apenas para ver quem o amaria. Ele provocou uma guerra entre os anjos para descobrir quem ficaria do seu lado. Ele criou um mundo cheio de humanos que lutariam em seu nome, apenas para ver quem o amava mais. E ele engenhou a criação de Gênesis, um ser tão poderoso quanto ele, apenas para ver se conseguiria fazê-lo amá-lo.
Mas o Santo era diferente. Deus não queria o amor do Santo – ele queria seu ódio. E Deus garantiu que ele conseguisse.
Custer tinha um plano, uma maneira de retribuir a Deus pelos horrores que ele infligiu à sua criação. Mas para isso, Custer precisaria da ajuda do Santo. As armas que o Santo carregava eram letais – nenhum tiro errava o alvo, e o primeiro alvo morto por elas foi o próprio Diabo. Mas eles não podiam simplesmente ir atirar em Deus, porque ele havia se escondido de Jesse e Genesis. Enquanto estivessem procurando por ele, Deus não se mexeria. Mas se Gênesis estivesse fora de cena, Jesse imaginou que Deus iria direto para o céu. E o Santo estaria esperando por ele.
Quando o Santo chegou ao céu, todo o exército angélico estava contra ele. Fila após fila de anjos voaram para mantê-lo longe dos portões, e todos foram abatidos por suas armas. E quando o plano de Jesse funcionou, quando Gênesis foi libertado e Deus voltou para retomar seu trono, o Santo estava esperando por ele.
Deus implorou por sua vida e ofereceu ao Santo o que ele quisesse – poder, vida, as vidas de sua família, qualquer coisa. Mas o Santo não queria nada disso. Tudo o que ele queria, disse, era descansar.
Ele matou Deus com um tiro. Então ele se sentou no trono de Deus e descansou.
O Enigma de Cassidy
Um dos pontos mais intrigantes e inexplicáveis na narrativa de “Preacher” é como Cassidy, um vampiro irlandês, sobreviveu a ser baleado pelo Santo dos Assassinos. Em um momento crucial, o Santo atira em Cassidy, mas ele se recupera rapidamente, o que contraria a lógica estabelecida de que qualquer ferimento causado pelas pistolas do Santo é fatal.
E isso não faz o menor sentido, já que o Santo havia matado o Diabo no inferno e até Deus!
Garth Ennis, o criador da série, mais tarde admitiu que esta foi uma inconsistência não intencional na trama, pois ainda não havia definido completamente as regras para os poderes do Santo dos Assassinos naquele ponto da história.
A Natureza do poder do Santo dos Assassinos
A explicação para o poder incomparável do Santo dos Assassinos reside em uma interpretação teológica gnóstica. Na cosmologia gnóstica, o conceito de bem e mal não é tão simples quanto parece, e a entidade que se apresenta como Deus pode não ser a verdadeira divindade suprema. O Deus em “Preacher” é visto como o Demiurgo, uma entidade imperfeita que criou o mundo material. O verdadeiro Deus, ou a força criativa suprema, está além deste Demiurgo e é a fonte de poder de onde emana o Anjo da Morte, que mais tarde se torna o Santo dos Assassinos.
Este Demiurgo acredita ser o deus supremo, mas é apenas uma parte limitada de uma força divina maior. Assim, o Santo dos Assassinos, como uma emanação do Anjo da Morte, representa uma manifestação do poder verdadeiro e ilimitado da força criativa suprema. Essa dinâmica permite que ele seja capaz de fazer coisas que até mesmo o Deus Demiurgo não pode, como criar balas que nem Deus pode evitar. Portanto, o Santo dos Assassinos é uma resposta ao antigo paradoxo: “Poderia um deus onipotente criar uma pedra que ele mesmo não poderia levantar?” Em “Preacher”, a resposta é afirmativa, pois este Deus é apenas uma parte finita de uma força divina maior.
Poderes e Habilidades
Como o Santo dos Assassinos, ele possui habilidades sobrenaturais. É imortal e invulnerável a qualquer dano físico, incluindo tiros de tanques e explosões nucleares. Sua força é sobre-humana, capaz de lançar homens a grandes distâncias com facilidade. Suas pistolas, além de infalíveis, possuem munição ilimitada e qualquer tiro é fatal, independentemente do alvo ser humano, demoníaco ou divino.
Curiosidades e Detalhes Específicos
– Inspiração: Garth Ennis se inspirou em Clint Eastwood, especialmente em seus filmes de faroeste, para criar o Santo dos Assassinos. Steve Dillon, o ilustrador, adicionou traços de Lee Marvin ao personagem.
– Citações Icônicas: Uma das frases mais marcantes do Santo é “Se matar tornasse um homem durão, todo filho da mãe no Texas seria um.”
– Aparições em Outras Mídias: O Santo dos Assassinos foi retratado na série de TV “Preacher” da AMC, interpretado por Graham McTavish.
– Comparações Cinematográficas: O personagem foi inspirado em figuras do western, notadamente Clint Eastwood em “Os Imperdoáveis” e Lee Marvin, resultando em uma mistura de brutalidade e carisma.
– Mistérios Não Resolvidos: A sobrevivência de Cassidy após ser baleado pelo Santo dos Assassinos permanece um enigma e um ponto de inconsistência na série.
Impacto e Recepção
Desde sua criação, o Santo dos Assassinos se tornou uma figura de culto entre os fãs de quadrinhos. Ele é frequentemente citado em listas de melhores vilões e anti-heróis, destacando-se por sua implacabilidade e pela profundidade trágica de sua origem. A revista “Empire” o classificou como um dos 50 maiores personagens de quadrinhos de todos os tempos. Além disso, o personagem tem sido tema de várias análises críticas, destacando sua representação da violência e da justiça no contexto da mitologia americana.
Conclusão
O Santo dos Assassinos é muito mais do que apenas um personagem de quadrinhos; ele é uma encarnação do desespero humano e da sede de vingança. Sua história, repleta de tragédia e violência, ressoa profundamente com leitores que encontram nele uma reflexão sombria sobre a natureza da morte e da justiça. Ao explorar suas origens e poderes, mergulhamos em um mundo onde a linha entre o bem e o mal é constantemente borrada, e onde a busca por vingança pode transformar um homem em uma lenda imortal.