Enquanto Reign Blood marcou um novo rumo e um alto patamar na carreira do Slayer ao abandonar a estetica chocante de adolescentece malvadão, para de verdade abrir as portas e espiar o que poderia ser as proundezas do obscuro e cosmico inferno negro, do niilismo e do que há de mais satanico que uma banda poderia oferecer naquele momento.
É verdadeiramente com South Of Heaven que o Slayer consegue mergulhar nos mais profundos pesadelos da mente humana e emergir com hinos de desespero, dor e consternação.
Essa mudança drástica de paradigma e salto de qualidade desde as composições até o visual da banda, o Slayer deve ao multiplatinado produtor Rick Rubin, que até aquele momento estava no início da sua carreira como produtor e executivo da gravadora Def Jam. Esse trabalho já tinha começado com o fabuloso Reign Blood de 1986.
Já South of Heaven veio mais melódico, com o pé fora do acelerador, o Slayer usou guitarras sem distorção e baixou o tom nas partes cantadas, evidenciando muito mais a bateria do Dave Lombardo e o vocal do Tom Araya.
O quarto disco de estúdio do Slayer foi lançado no dia 5 de julho de 1988, em um ano que diversas bandas resolveram trilhar novos caminhos musicais onde alguns obtiveram um enorme sucesso, como o Iron Maiden com Seventh Son, Metallica com And Justice for All, e o Queensryche com Operation Mindcrime. Alguns tentando se manter no caminho como no caso do Megadeth com So Far,So Good. So What!
O Slayer surge com um disco meticulosamente bem trabalhado, desde a concepção estética da capa, passando pelo instrumental vigoroso até as letras sombrias e metafóricas.
E pela primeira vez isso foi cuidadosamente planejado pela banda, já que não queriam fazer um Reign Blood 2.
Em uma entrevista para a revista Decibel em agosto de 2006, o guitarrista Jeff Hanneman explica: South foi o único álbum sobre o qual conversamos antes de começarmos a escrevê-lo. Sabíamos que não poderíamos superar Reign in Blood , então tivemos que desacelerar. Sabíamos que tudo o que fizéssemos seria comparado àquele álbum, e lembro que discutimos sobre desacelerar . Foi estranho – nunca fizemos isso em um álbum, antes ou depois.
Na mesma entrevista para a Decibel, o guitarrista falastrão Kerry King demonstrou toda a sua indignação com South of Heaven o tempo todo. A começar com uma mea culpa: “Esse álbum foi minha performance mais sem brilho. Eu tinha acabado de me casar e me mudar para Phoenix, então provavelmente era um homem estranho naquela época, e tenho certeza de que não participei tanto por causa disso.”
King também deixa claro que South of Heaven não é o seu favorito e cita algumas músicas que não gosta: “Quando South of Heaven foi lançado, eu não gostei tanto quanto Reign in Blood , porque acho que Tom Araya recuou muito em seu canto. Honestamente, é um dos meus álbuns menos favoritos do Slayer. E nunca tocamos “Behind the Crooked Cross” porque Jeff odeia. Não é minha música favorita, mas sempre quis tocá-la porque tem uma introdução legal. Mas tudo bem – há músicas que ele quer tocar e que eu sempre deixo de lado.”
Seguindo a estética iniciada com Reign Blood (1986), o Slayer voltou a trabalhar com o renomado artista plástico australiano Lawrence Carroll. Mais uma vez o artista representou de forma brilhante o contexto não só do disco, mas também da faixa título, que traduzindo fica “Sul do Paraíso”.
A pintura retrata pessoas se afogando com expressão de agonia e sendo arrastadas por um rio de sangue, igrejas sombrias com suas cruzes invertidas, um crânio no primeiro plano repleto de figuras demoníacas saindo das órbitas dos olhos e nariz. Além de um crucifixo que foi inserido de baixo pra cima nesse crânio, dão o tom aterrorizante do disco.
Lawrence Carroll foi responsável pelas icônicas capas de Reign Blood, South of Heaven, Season in the Abyss e Christ Illusion. Infelizmente o artista faleceu em 2019.
Diferente do que muita gente pensa, não é o inferno que está ao sul do paraíso, mas sim a Terra. Isso mesmo, esse plano em que habitamos, é o “Inferno Na Terra”. Em uma matéria publicada no site da Kerrang em junho de 2021, Tom Araya explicou: South of Heaven é como imagino o inferno na Terra e o declínio da humanidade. A letra foi escrita pelo próprio Tom, em uma das muitas participações dele no disco.
Esta faixa-título explora a ideia de um futuro imprevisto e o inevitável julgamento final. A letra sugere uma crítica à religiosidade cega e ao conformismo, abordando a perda de inocência e a busca pela verdade num mundo caótico e desconfiado.
Mudando o foco das letras do satanismo barato para temas mais tangíveis, o Slayer segue com “Silent Scream”, Grito Silencioso, uma canção que aborda a temática do aborto e da violência contra crianças. A letra transmite uma mensagem poderosa sobre o sofrimento e a injustiça enfrentada por crianças inocentes, utilizando metáforas intensas para descrever a dor e o tormento.
Em “Live Undead”, a letra parece descrever a experiência de alguém preso entre a vida e a morte, uma espécie de existência zumbi. O uso de imagens vívidas cria uma atmosfera sombria e angustiante, refletindo temas de desespero e insanidade.
A temática sobre guerras, que seriam constantes nos discos do Slayer, se faz presente em “Behind the Crooked Cross” – Por trás de Cruz Retorcida, escrita por Jeff Hanneman, esta faixa aborda a temática da Segunda Guerra Mundial, especificamente do ponto de vista de um soldado alemão. A letra reflete sobre a obediência cega e a lavagem cerebral enfrentada pelos soldados, juntamente com o arrependimento e a culpa.
Em um retrato gráfico das realidades brutais da guerra, “Mandatory Suicide – Suicídio Obrigatório”, escrita por Tom Araya aborda especificamente sobre o suicídio forçado de soldados. A letra descreve vividamente a violência e a morte no campo de batalha, destacando a futilidade e a crueldade da guerra.
De acordo com o portal Revolver, “Mandatory Suicide” é uma das faixas mais populares e duradouras do South of Heaven – o site Setlist.com a classifica como a quinta música ao vivo mais tocada da banda, atrás de “Raining Blood”, “Angel of Death”, “South of Heaven” e “War Ensemble” – “Mandatory Suicide” apresenta letras vívidas sobre soldados sendo enviados para morrer em batalha, letra que Araya disse ter sido inspirada em alguns dos filmes nitidamente sombrios sobre a Guerra do Vietnã que foram lançados durante os anos 80.
“Fui influenciado por todos os filmes anti-guerra do momento, como Platoon e Full Metal Jacket ”, disse Araya à Metal Hammer . “Eu posso realmente imaginar o que os pobres coitados tiveram que suportar no Vietnã – sacrificados por um monte de sujeira e mentiras… Acho que o Vietnã foi um ponto negro na história americana, e isso deveria ficar claro – enviar crianças para o Vietnã era apenas puro assassinato. Se você for para a guerra por conta própria, tudo bem, mas se você for forçado, então é um crime. ‘Mandatory Suicide’ é basicamente uma canção anti-guerra.”
Escrita por Kerry King, “Ghosts of War – Fantasmas da Guerra” é uma música que mantém o tema “guerra” do álbum, desta vez focando nos efeitos duradouros e traumas causados pelo combate. A letra evoca imagens de soldados caídos e a vingança dos mortos.
Em uma parceria entre Kerry King e Tom Araya, “Read Between the Lies – Ler entre as mentiras”, critica a exploração e a hipocrisia dentro de algumas organizações religiosas. A música desafia a validade e a sinceridade de líderes religiosos que exploram a fé e a confiança de seus seguidores.
Evangelista você afirma que Deus fala através de você
Sua boca inquieta cheia de mentiras ganha popularidade
Você não se importa com os velhos que sofrem
Quando seus bolsos vazios choram de fome
Mais uma parceria entre Kerry King e Tom Araya, “Cleanse the Soul – Purificar a Alma” é a faixa mais odiada pelo Kerry King. De acordo com Setlist.fm , “Cleanse the Soul” é a única faixa original do álbum que nunca foi tocada ao vivo. King admitiu ao Metal Maniacs que odeia a música, o que pode explicar o porquê. “Essa é uma das marcas negras da nossa história. Eu simplesmente acho que é horrível. Eu odeio o riff de abertura. É o que chamamos de ‘riff feliz’. É como se fosse ‘la-lala-la-la-la’.”
Em seu contexto, é uma música com tema de morte e ritual, possivelmente explorando conceitos de purificação espiritual através de meios extremos. A letra pode ser interpretada como uma crítica às práticas religiosas que prometem salvação através de atos extremos.
E pela primeira vez figurando em um disco oficial do Slayer, o primeiro e único álbum de estúdio da banda que contém um cover, que gravaram para aplacar as lombrigas dos dois fãs de Judas Priest da banda: King e Hanneman.
Enquanto o Slayer já havia gravado um cover de “In-A-Gadda-Da-Vida” do Iron Butterfly para a trilha sonora do filme Less Than Zero de 1987 , seu cover de “Dissident Aggressor” do Judas Priest no South of Heaven marcou a primeira vez que a banda gravou especificamente um cover para inclusão em um de seus álbuns. E ao contrário da música do Iron Butterfly, que foi gravada a pedido de Rick Rubin (e que a banda quase imediatamente rejeitou), “Dissident Aggressor – Agressor Dissidente” – uma faixa profunda do álbum Sin After Sin de 1977 do Judas Priest, foi concebida como uma homenagem sincera a um das maiores influências do Slayer. “Era uma daquelas músicas estranhas que muitas pessoas não conhecem”, disse Hanneman à rádio KNAC, “mas era uma das favoritas de Kerry e eu, então escolhemos essa”.
A letra pode ser vista como uma representação da luta interna e da agressão, com um foco na resistência e na rebelião contra a opressão.
E fechando o disco South of Heaven com “Spill the Blood – Derrame o Sangue”, escrita por Hannemann, a faixa final do álbum parece explorar temas como imortalidade e sacrifício ritualístico. A letra cria uma atmosfera sombria e misteriosa, sugerindo uma busca por poder e conhecimento através de meios sobrenaturais. A faixa parece um convite para uma pessoa se entregar à um vampiro em troca da vida eterna:
Derrame seu sangue, deixe-o correr para mim,
Pegue minha mão e deixe ir de sua vida.
Feche os olhos e veja o que eu sou,
Levante o cálice, para abraçar o sempre.
Você derramou o sangue.
Eu tenho a tua alma.
Em uma matéria do site da Revolver em julho de 2018, o site destaca que South of Heaven foi o primeiro álbum do Slayer a apresentar Tom Araya em um papel criativo importante. Os três primeiros álbuns do Slayer demonstraram que o baixista/vocalista Tom Araya era um frontman mais do que capaz, mas South of Heaven foi onde ele se destacou como compositor, escrevendo a letra inteira de “South of Heaven”, “Silent Scream” e “Mandatory Suicide”, enquanto também colaborou com King nas letras de “Live Undead”, “Read Between the Lines” e “Cleanse the Soul”.
Já o portal Loudwire destacou em um matéria de junho de 2020, que South of Heaven foi o último álbum do Slayer para o qual Hanneman teve os créditos em todas as músicas. Além disso, ele e Kerry King foram os principais escritores de todos os álbuns anteriores do Slayer, mas South of Heaven teve o baixista/vocalista Tom Araya se envolvendo mais no processo de composição. Daqui para frente, Araya e King escreveram a maior parte de seus discos.
A icônica foto da contracapa do disco foi tirada ainda na época do álbum Reign in Blood de 1986, como explica Dave Lombardo à revista Decibel em 2006: A foto na parte de trás de South of Heaven foi tirada na época em que Reign in Blood foi lançado. Aquela foto fez parecer que havíamos amadurecido um pouco ou algo assim.
Já o fotógrafo que fez a foto, Glen Friedman, disse o seguinte na mesma entrevista: Achei a contracapa muito legal – acho que é uma das fotos mais clássicas deles de todos os tempos. Todos eles ainda têm cabelos e parecem deformados. Foi por isso que Rick me contratou. Eu trago à tona o que há de legal nas pessoas e às vezes faço com que pareçam muito mais durões do que são. Mas esses caras eram muito durões, não há dúvida disso.
Sem dúvida, “South of Heaven” é uma jornada incrível através de temas obscuros e complexos, onde o Slayer usa sua música intensa e letras provocativas para explorar as profundezas da natureza humana, como guerra, religião e violência. Este álbum é uma peça essencial na história do Thrash Metal, que contempla uma abordagem direta e sem censura aos temas mais sombrios da sociedade.
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