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Cinco Miligramas de Misantropia

Titãs – Tudo ao mesmo tempo agora

Titãs - Tudo ao mesmo tempo agora

Escatológico, malvadão e muito mal compreendido!

Tudo ao mesmo tempo agora dos Titãs foi o meu primeiro contato com palavrões em uma música. Mas fique sabendo que esse trabalho fabuloso da banda não se resume a palavrões. É um disco muito mal compreendido do Rock Nacional. E vamos descobrir isso juntos!
E quer saber como eu conheci esse disco? Eu sei que você disse não, mas vou contar! Não estou nem aí.

Estava andando de skate numa calçada próxima a casa de um amigo. E o irmão mais velho dele se mudaria para fazer faculdade em outro estado. E esse cara jogou fora uma caixa de sapatos cheia de fitas K7. Olhei aquela caixa na calçada no lixo e levei para casa.
Era bem no início de 1992 e eu tinha por volta de 11 para 12 anos, até então o que eu tinha escutado de mais pesado eram as músicas Pensa Dance Pense do Barão Vermelho e Ando Só dos Engenheiros do Hawaii.

Quando coloquei a fita dos Titãs para rolar fiquei impressionado com o peso e a crueza do trabalho. Eu jurava que o tal do Heavy Metal ou Rock Pauleira, como nosso pais na época chamavam, era a música Pensa Dance Pense do Barão Vermelho, mas aquele disco dos Titãs era absurdamente pesado e escatalógico.

Eu já havia escrito sobre esse disco em vários posts, em Blogs e no Facebook. Muita gente dá mais crédito ao Titanomaquia como uma veia mais pesada dos Titãs e ao Cabeça de Dinossauro como o mais criativo e legal trabalho da banda.

Pessoalmente considero “Tudo ao mesmo tempo agora” (1991) um filho muito mais malvadão e mal compreendido. Foi um disco posto de lado pela crítica, e tempos depois aclamado pelos fãs com um disco cult.
Com letras escatológicas, questionadoras e recheado de palavrões, esse disco pode figurar muito bem nas coleções de fãs de metal e até death metal. Foi exagero, mas tudo bem! Mas olha a capa! Deixaria o Carcass orgulhoso na época!
Como não se empolgar com letras desse naipe:

Corpo surja, oh! Mente suja imunda
Em cada berço que esse esperma espesso inunda
Em cada fosso que esse gozo grosso suja
(Clitóris)

Cheirar sua calcinha suja na menstruação
Isso para mim é enfeite
A cabeça do pau faz esporra de leite
Pra tomar de manhã
No café da manhã
E também no almoço
E depois no jantar
Amor, eu quero te ver cagar.
(Perfume)

Não faz o menor sentido essas letras, mas um adolescente ouvindo isso! Cara! É uma experiência extremamente contestadora do mundo e de suas regras capitais!
Os ensaios para a gravação do disco aconteceram na casa do guitarrista Marcelo Fromer, e essa foi uma experiência fantástica para a banda, já que muitos outros grupos como Deep Purple, Black Sabbath e os Rolling Stones já fizeram algo bem parecido, de acordo com o baterista Charles Gavin.

A dinâmica criativa dos Titãs e suas consequências

De acordo com Nando Reis, vocalista e baixista dos Titãs, a decisão de creditar todas as composições da banda simplesmente como “Titãs” não foi unânime. Ele expressa que teria feito de forma diferente e acredita que essa escolha pode ter influenciado na decisão de Arnaldo Antunes de deixar o grupo após o lançamento desse álbum.
No entanto, Nando acredita que é possível identificar a contribuição de cada autor em algumas letras, como a presença de Arnaldo em “Uma Coisa de Cada Vez” e de Sérgio Britto, tecladista e vocalista, em “O Fácil É o Certo”. Assim, a dinâmica criativa dos Titãs revela-se como um elemento importante para compreender as consequências dentro da banda.

Titãs: No lugar certo, na hora certa no país errado

Os Titãs lançaram seu disco no melhor momento possível, enquanto o mundo se rendia ao grunge do Nirvana e Alice In Chains, ao funk metal do Faith No More e Red Hot Chili Peppers ao metal pesado e de arena do Metallica com seu Black Album. O rock no mundo estava pesado, melancólico ou debochado e não inerte.
Mas aqui no Brasil vivíamos um caos econômico e cultural. O que não é nenhuma grande novidade para o gigante dos trópicos. As rádios só queriam saber no geral de pop, axé ou duplas sertanejas e o público ainda não estava tão aberto ao novo.
E era justamente o “novo”, que os Titãs propuseram em seu disco “Tudo ao mesmo tempo agora”. Um trabalho produzido pela própria banda para fugir do banho de loja fonográfico que o produtor Liminha dava para os clientes.
E os Titãs conseguiram, ajustaram seus desejos e a sua veia Punk ao levar a máxima “Faça Você Mesmo” mais a sério do que pretendiam.
Só que o público da própria banda foi um grande problema. De um lado, uma parcela de seu público era um misto de pessoas com gosto musical açucarado, fã de Blitz e Kid Abelha e frequentadores de festinhas Hi-Fi.
E do outro lado existia uma parcela de fãs que estavam na linha do disco Cabeça de Dinossauro, mas que ainda assim não estavam preparados para se surpreenderem tanto, já que no máximo eram fãs das baladinhas de Bon Jovi, Legião Urbana e RPM.
Mas os Titãs queriam revolucionar e chegaram chutando a porta e com voadora no maxilar!

Escatologia e filosofia: O poder das letras de 'Tudo ao mesmo tempo agora

Em “Tudo ao mesmo tempo agora”, os Titãs propuseram um trabalho que foge dos grandes sucessos, que tocam exaustivamente nas rádios FM.
Se na época do lançamento, você se limitava a julgar o álbum pelos palavrões, então perdeu a oportunidade de apreciar uma das maiores obras do rock/heavy nacional.
No entanto, encontramos nesse disco músicas pesadas, letras raivosas e carregadas de descontentamento e que por vezes abraçam nuances filosóficas e concretistas, como na faixa “O Fácil é o Certo” que é uma frase atribuída à Chuang-Tzu, um pensador chinês do século III A.c.
É claro que não podemos deixar de mencionar as letras eróticas e escatológicas, que me chamaram atenção quando adolescente. “Clitóris”, abre o disco com a intensidade profética de Paulo Miklos, e se transforma em uma oração sagrada e profana ao expurgar os versos:
Genuflexório, ah! Genuflexório
Genuflexório, oh! Genuflexório
Virgem surja, ah! Surja suja
Corpo surja, oh! Mente surja imunda

E para quem não sabe, um genuflexório é um móvel presente em capelas e oratórios, usado para fins de oração. Ele se assemelha a uma cadeira, com uma parte mais baixa para ajoelhar e um encosto mais alto, onde se apoiam os braços e o livro de orações.


Na faixa “Já”, toda a beleza poética de Arnaldo Antunes nos deixa questionando cada pergunta que a canção traz. E na música “Agora”, Paulo Miklos assume um tom mais angustiado.
Em “Não é Por Não Falar”, traz todo um peso e um ar indulgente, onde Sérgio Britto diz tudo que é preciso dizer em poucas palavras. Aqui as repetições me faz refletir a todo momento de uma forma diferente.
E uma faixa impensável nos dias de hoje é “Flat – Cemitério – Apartamento”, que nos presenteia com uma abordagem hilariante da escatologia e do mau humor criativo.
E se a Royal injetasse nos anões uma dose excessiva de fermento?
E se as Casa da Banha abatessem alguns gordos para seu abastecimento?
E se a Du Loren anunciasse uma nova linha de calcinhas que já vem com corrimento?
E se a Sulvinil testasse nos albinos uma nova série de pigmentos?

A canção “Flat – Cemitério – Apartamento” foi composta em um ônibus pelo baixista Nando Reis, junto com Branco, Arnaldo e Marcelo. Ahhh os anos 90!

E fechando o lado A do disco “Isso para Mim É Perfume”, com Nando Reis e a sua entrega e interpretação impressionantes. O próprio Nando Reis, que escreveu a letra junto com Marcelo Fromer, explica de forma rápida em um vídeo no canal dele, que essa música fala mais sobre intimidade. Nando diz que não há nada mais íntimo do que ver o parceiro “cagando”.

Posso dizer que “Isso para Mim É Perfume”, prepara o terreno para a impactante faixa de abertura do lado B, “Saia de Mim”, onde Arnaldo Antunes extravasa aos berros todo o politicamente correto e toda a negatividade que reside em cada um de nós.
Os Titãs ousaram desafiar as convenções, recusando-se a apresentar baladas e a agradar a todos. Mantendo a intensidade das guitarras e a bateria implacável de Charles Gavin. Eles entoam palavras de desaprovação paradoxal em cada faixa.

Essa revolução musical só foi possível devido à posição privilegiada da banda na gravadora Warner e à sua trajetória marcada por três excelentes álbuns de estúdio: “Õ Blésq Blom” (1989), “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” (1987) e “Cabeça Dinossauro” (1986). Com recordes de vendas, os Titãs conquistaram o prestígio para fazer o que bem entendessem.

Em “Tudo ao mesmo tempo agora”, a essência dos Titãs se mantém indelével, mesmo com a sonoridade e as letras sujas. O álbum é repleto de jogos de palavras e versos inteligentes, que vão desde obviedades que precisam ser ditas até paradoxos intrigantes. Branco Mello, com seu vocal rasgado, empresta sua intensidade a faixas como “Filantrópico” e “Eu não Sei Fazer Música” (mas eu faço).

A banda ainda nos presenteia com letras que podem parecer “malucas” à primeira vista, mas que revelam um sentido profundo quando observadas com atenção. Faixas como “Eu vezes eu”, “Obrigado” e “Uma Coisa de Cada vez” brincam com as palavras e com a própria ideia do título do álbum.

Em resumo, “Tudo ao mesmo tempo agora” é um álbum corajoso, repleto de letras provocativas, sonoridade intensa e uma mensagem contundente. Os Titãs rompem barreiras e nos convidam a refletir sobre as convenções sociais, enquanto nos presenteiam com uma experiência musical impactante e visceral.

Explicando a piada

O disco “Tudo ao mesmo tempo agora” era tão fora de contexto para o rock nacional, seja para o público água de salsicha da banda e para a imprensa da época, que os Titãs produziram um mini documentário para explicar o disco!

Nitidamente produzido para a MTV, o foco do documentário foi trazer para o público que o Titãs era uma banda de rock: Simples assim!

Todos os integrantes no documentário estavam descontraídos, com suas guitarras, caras e poses de malvados, bebidas e muitos cigarros.

A banda faz um apanhado geral da produção do álbum, toca versões diferentes das músicas que estão no disco e mostra que consegue se virar sozinha sim!

O conceito estético

No documentário sobre o disco, os Titãs explicam que pela primeira vez ele chamou alguém para fazer a capa do disco. Antes era um processo de criação da própria banda.
O renomado artista Fernando Zarif foi responsável pela concepção da capa do álbum, valendo-se de imagens selecionadas da conceituada enciclopédia Barsa.

Explorando uma abordagem criativa, a parte interna do disco apresenta radiografias dos membros da banda, incluindo os vocalistas Arnaldo, Paulo Miklos e Branco Mello. Essas radiografias exclusivas foram obtidas no consultório odontológico do pai de Paulo, situado no coração de São Paulo.

Conclusão

“Tudo ao mesmo tempo agora” dos Titãs é um disco escatalógico, malvadão e muito mal compreendido do Rock Nacional. Apesar de ter sido inicialmente posto de lado pela crítica, acabou se tornando um disco cult aclamado pelos fãs. Com letras escatológicas, questionadoras e recheadas de palavrões, o álbum desafia as convenções e propõe uma experiência musical impactante e visceral.

Os Titãs rompem barreiras ao manter a essência da banda, mesmo com uma sonoridade intensa e letras provocativas. O trabalho é corajoso, apresentando uma mensagem contundente que convida a refletir sobre as convenções sociais. O disco também brinca com as palavras e traz versos inteligentes, revelando um sentido profundo quando observados com atenção.
Apesar de ter sido lançado em um momento em que o Brasil se rendia a outros gêneros musicais, os Titãs estavam mesmo antenados com o mundo, como o grunge e o metal pesado.
“Tudo ao mesmo tempo agora” se destaca como uma obra única do rock/heavy nacional. Os Titãs desafiaram o status quo e se afastaram do banho de loja fonográfico, produzindo um trabalho que foge dos grandes sucessos comerciais.
O álbum pode ter sido mal compreendido pelo público da própria banda, dividido entre aqueles com gostos musicais mais açucarados e os fãs de trabalhos anteriores dos Titãs. No entanto, “Tudo ao mesmo tempo agora” oferece uma experiência extremamente contestadora do mundo e de suas regras, principalmente para os adolescentes que tiveram o primeiro contato com palavrões em uma música através desse disco.
Em resumo, “Tudo ao mesmo tempo agora” é um marco na carreira dos Titãs, representando uma ousadia artística e musical. O álbum desafia as expectativas, proporcionando uma experiência única e demonstrando a força criativa e a irreverência da banda.
É uma obra que merece ser apreciada além dos palavrões, revelando uma mensagem profunda e uma sonoridade intensa que impactam o ouvinte de forma significativa.

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